Vou escrever a você

Camila Milani
3 min readDec 1, 2022

--

Para traduzir aquilo que a boca não consegue dizer.

Por mais que eu inveje essa tua eloquência e essa lábia que me conquistam, considero teu timbre uma verdadeira covardia, mas não mais dolorido que teu silêncio.

Mas não venho falar da tua habilidade quase cirúrgica em me desmontar com a voz. Refiro àquelas palavras soltas de maneira despretensiosa, que não declaram, mas transparecem aquilo que nós (sim, até mesmo você) ainda não conseguimos dizer.

As nossas conversas pela cidade.

Poderia aqui passar inúmeras linhas a escrever apenas sobre nossos risos e papos pelos caminhos entre os nossos bairros. Mas, para mim, é sobre como a Lapa adquiriu novas cores e significados ou como Pinheiros se tornou meu modo de torpor. Posso falar do viaduto Sumaré e daquele nosso papo tão particular sobre nossos pequenos prazeres urbanos. Te contei sobre como era lindo ver, do ônibus, os adornos dos mausoléus do Cemitério do Araçá ao entardecer. Você me contou sobre um prédio na Oscar Freire, se não me falha a lembrança, e em como você viajava ao se imaginar morando por lá. O que não te contei, foi que aquele passeio de carro não planejado pela Avenida Paulista era, na realidade, meu maior desejo.

Aliás, naquela noite e em outras tantas, você, sem nem saber, deu vida à uma São Paulo somente minha, do meu universo melancólico e particular, mas numa versão eufórica e plenamente feliz.

Por mais que eu já tenha te escrito e descrito como se a cidade fosse uma pessoa, nada foi mais lindo do que vê-la pelos seus olhos. Conhecer teu bar favorito na Vila Madalena, saber do teu carinho especial pela Praça Pôr do Sol e descobrir a encantadora coincidência de que aquela vista da Avenida Sumaré também era uma das suas favoritas.

Minhas lembranças e palavras escondidas passam pela minha São Paulo e encontram-se com a sua. São nas nossas intermináveis conversas até tarde da noite que encontro a tradução desta nossa Paulicéia.

Por isso, te digo e confesso: contigo, vejo e sinto meu lugar no mundo. Vejo da janela do teu carro ou quando sentamos naquela mesa, naquele bar. Quando escuto tua risada sarcástica e as histórias sobre o teu trabalho, ou, quando repousa tua mão em minha perna e passamos horas conversando sobre tudo (e sobre nada). Quando sinto teus lábios nos meus, quando conheço e passeio pelos graffitis na tua pele, ou, quando tua respiração fica pesada no meu ouvido e fazemos Carnaval em quartos (des)conhecidos. A verdade é que aprendo novas maneiras em que me reencontro e me apaixono, quando conheço e descubro mais desta cidade que é você.

Ainda que as palavras se percam no trânsito intenso, entre tantas pontes e desordeiros acessos, São Paulo, em sua caótica confusão, me convida para o teu lado mais intenso e mais sereno. Para um êxtase envergonhado, mas que é nu, cru e verdadeiro. Para chamar de lar essa desvairada incoerência, mas que entendo no teu abraço.

--

--